Bares famosos preservam histórias e peculiaridades da boemia carioca
Por João Paulo Anzanello
RIO – Dizer que prudência e canja de galinha não faz mal a ninguém, isso todo mundo sabe. Mas o que poucos sabem, é que para alguns cariocas, boêmios convictos, um chope gelado bem tirado, ou um prato de bife à milanesa quentinho, também são indispensáveis e fazem parte da vida noturna de alguns bares famosos da cidade.
Por João Paulo Anzanello
RIO – Dizer que prudência e canja de galinha não faz mal a ninguém, isso todo mundo sabe. Mas o que poucos sabem, é que para alguns cariocas, boêmios convictos, um chope gelado bem tirado, ou um prato de bife à milanesa quentinho, também são indispensáveis e fazem parte da vida noturna de alguns bares famosos da cidade.
Bares como os tradicionais Lamas, Bar Brasil e Bar Luiz, são alguns dos mais antigos e pitorescos do Rio. Bons serviços, chope gelado, comidas saborosas e muitas, muitas histórias. Seja por tradição de família, seja por confortabilidade, bares como o Lamas, eleito como um dos melhores chopps da cidade, sempre conservaram um quê de historicismo e importância política.
O Bar Brasil, por exemplo, situado no coração da Lapa, bairro conhecidamente boêmio e por abrigar figuras e passagens marcantes da história, sempre figura na lista dos bares mais famosos, por ter um dos 10 melhores chopes do Rio – ainda tirado de uma chopeira antiga (uma velha torre de bronze com o mecanismo original), que garante o chope cremoso. É certamente um dos botequins que melhor representa a alma da boemia carioca.
O primeiro quesito que o torna especial é a qualidade do chopp. Claro ou escuro, a bebida é tratada com requinte. O cuidado vai desde a forma com que é tirado à atenção com a limpeza dos copos. Freqüentado por amantes de um bom chope e uma boa comida, a maioria das pessoas que circulam pelo Bar Brasil, ou trabalham no Centro da cidade, ou são pessoas que buscam qualidade com um bom preço. Os garçons são bastante antigos e atendem como se você fosse um conhecido de longa data.
Na época da Segunda Guerra Mundial, o Bar Brasil, notadamente freqüentado por políticos e pensadores da época, era um restaurante de renome e de apreciada comida alemã – mantém alguns traços da culinária germânica até hoje. Em função das pressões políticas e de interesses marketeiros (que queriam desassociar a imagem do bar à dos nazistas alemães), o bar optou por mudar de nome, para um de cunho nacional – Bar Brasil – e procurou dar alguns traços mais brasileiros ao ambiente e ao cardápio local. Ainda hoje, pode-se desfrutar um bom affstrudel (torta de maçã) e um kassler defumado de primeiríssima qualidade, com salada de batata e acompanhado de arroz e lentilha. Fundado em 1907, o Bar Brasil apresenta um ambiente singular. Nas paredes estão expostos quadros do pintor chileno Selarón. Chamam a atenção o piso, todo de ladrilhos, e os biombos de madeira, que separam o interior da rua. A atmosfera é sempre animada, especialmente nas noites de sexta. O bar não funciona aos domingos e não se estende madrugada adentro.
A história do Lamas se confunde com a da cidade. Em seus mais de 100 anos de existência, o bar foi freqüentado por personalidades como Machado de Assis, Manuel Bandeira e Di Cavalcanti, quando ainda se situava em frente ao Largo do Machado. Também funcionou como uma segunda casa para estudantes que, em troca, deram ao bar efervescência boêmia e política. Atualmente recebe jornalistas, intelectuais, excêntricos e artistas em busca de inspiração e bate-papo. No seu atual endereço, no início da rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, o Lamas conserva consigo seu ótimo serviço, bons preços e freqüentadores fiéis.
A cozinha é muito boa, especialmente as carnes, sempre bem servidas e saborosas. O carro-chefe há mais de 60 anos é o filé à francesa, servido com batata palha, petit-pois, cebola e presunto. No almoço de sábado, a casa oferece uma das melhores feijoadas do bairro, mas é preciso chegar cedo para garantir o prato, pois a procura é enorme. Às segundas, a pedida é o viradinho à paulista, com arroz, tutu à mineira e um ovo estrelado. Tanto no almoço quanto no jantar, o Lamas mantém sempre seu status de tradição e conforto, como o seu clássico café da manhã e uma novidade: o chá da tarde, com geléia, torrada, queijo e presunto. Na madrugada, a canja de galinha é uma das suas marcas.
Apesar da recente reforma em sua fachada, que deixou o bar com aspecto de lanchonete, o interior mantém o clima de boemia. A atmosfera do Lamas é de intimidade, e mesmo com o grande salão espelhado, tem-se a impressão de que todos estão próximos.
Dois anônimos, freqüentadores assíduos da casa, já viraram personalidades paranormais no Lamas. O velho Mitsuplik – que dizem ser um ex-delegado da região – sempre chega de táxi e bêbado, senta-se à mesa e pede um chope. O curioso é ele estar sempre falando com alguém que não está ali. Porém, o papo com a “assombração” é bem contundente, cheio de gestos, caras e bocas. O outro cliente, com hábitos bastante curiosos, sempre chega fumando. Senta, pede uma Pepsi e duas garrafas de água com gás. Serve um copo para ele e outro para a “assombração”. Depois, pede um prato com arroz e filé à milanesa e serve seu prato e, é claro, o da suposta companhia. Ao final, vai embora e não paga a conta. A cena se repete toda quinta-feira, entre meia-noite e 1 hora. Fora eles, atores de teatro e alguns cronistas e jornalistas, como Nélson Rodrigues Filho, também são freqüentadores do Lamas.
O Bar Luiz, fundado em 1887, é um dos estabelecimentos mais tradicionais do Centro do Rio, conhecido não apenas por sua excelente cozinha alemã, mas igualmente pelos acontecimentos lendários que se confundem com a história da cidade. Contam, por exemplo, que o gosto do carioca pelo chope começou ali, a partir de uma brincadeira que o fundador da casa, Adolf Rumjaneck, inventou: homem forte, apostava queda-de-braço com os clientes. Se perdesse, pagava o vinho – bebida preferida do carioca na época; mas, se ganhasse, o freguês era obrigado a tomar o “chopp” da casa. A partir de então, o gosto pela tradicional bebida do carioca se difundiu, passou a ser servida na mesa, vinda de uma serpentina de 720 metros, garantindo um dos melhores sabores do Rio.
A cozinha não fica atrás. Os aperitivos servidos são extremamente populares. As lingüiças e os salsichões, que acompanhados de uma deliciosa salada de batata e mostarda escura, equivalem a um almoço completo. A recente novidade é que a casa agora abre também aos domingos, uma ótima opção de almoço para quem aproveita a programação cultural da cidade.
Histórias curiosas não faltam. A mais célebre continua sendo a intervenção de Ary Barroso, no momento em que os estudantes do Colégio Pedro II, em 1942, decidiram quebrar o bar, porque acreditavam que os donos eram simpatizantes de Hitler – uma vez que a casa, inicialmente, chamava-se Bar Adolf, primeiro nome do fundador Rumjaneck.
Com certeza, os botequins, bares e restaurantes tradicionais do Rio, já fazem parte dos pontos turísticos a serem visitados. O encontro com uma das instituições mais livres e democráticas da cidade, tanto do carioca, quanto do turista que vem ao Rio, torna a relação dos bares com a cultura brasileira muito importante, devido à sua identificação e fidelidade aos costumes e tradições. O afeto com que o carioca vê o “botequim” deve ser avivado pelo serviço atento, pela excelência das matérias-primas de que se abastecem os estabelecimentos e pelos espaços edificantes, onde o trabalho e o bom senso, são capazes de aliar preciosidades culinárias com bom preço. Encontrar tais exemplos, como o Lamas, o Bar Brasil ou o Bar Luiz, são retratos marcantes, ilustrando com maior precisão, as singularidades de cada caso, com os diferentes sabores e paixões do Rio.
Quem conhece os bares e botequins mais pitorescos e “mitológicos” da cidade, certamente estará traçando um excelente e rico roteiro para quem quer curtir um dos lados mais cariocas do Rio. No entanto, aquele que procura por antigos e charmosos bares, muito mais do que apenas indicar boas opções de lazer, estará dando status de referência à cidade. Assim como Paris tem seus cafés e bistrôs, Londres, os seus pubs, e Munique, as famosas cervejarias, o Rio de Janeiro tem seus bares e botequins. O conceito, muitas vezes subjetivo, do que seja o botequim – as expressões são as mais variadas possíveis; do pé-sujo ao bar fechado, do bunda-de-fora ao chopperia – varia do mais simples ao mais requintado.
Escolher apenas três, dentre um universo tão amplo de bares e botequins, é tarefa muitas vezes ingrata e quase sempre polêmica. Ainda mais porque o assunto é tratado com muita paixão pelo carioca, que se irrita quando não encontra o seu “botequim do coração”. Como religião, futebol e política, o assunto botequim é outro que, no Rio de Janeiro, não se deve discutir. Seja por estilo de cozinha, por bairro, pela qualidade do chopp ou por eventos musicais, a defesa por seu bar preferido é tratada como questão de honra pela população carioca.
Estes três bares, escolhidos a dedo por participarem ativamente do roteiro boêmio da cidade, podem perfeitamente ilustrar detalhes arquitetônicos e históricos, dicas e críticas sobre a cozinha, a bebida e a atmosfera de cada um deles, deixando à mostra toda “malandragem” e riqueza cultural que esses “monumentos” representam.
Como se sabe, todas estas características, que bares como o Lamas, Bar Luiz, Bar Brasil, entre outros, podem perfeitamente definir o que de melhor existe na alma carioca: alegria, amizade, petiscos, histórias e muito chope gelado. Mas o que podemos perceber também, analisando mais detalhadamente esses e outros bares, é que quando o assunto menciona ‘os melhores’, os ‘dez mais’ – seja entre os melhores chopes, pratos ou petiscos – ou as melhores e maiores ‘tradições do botequim’ preferido, entramos em uma discussão sem fim, tão profunda e dicotômica quanto um Fla x Flu ou um Garrincha x Pelé.
Controversa por natureza, uma vez que todos têm seu “boteco” do coração, essas discussões trazem à tona todas as virtudes que um estabelecimento deve ter para ser considerado um botequim à altura do gosto exigente do carioca. Do mesmo modo, as qualidades de um bom garçom, os segredos da cozinha caseira e do chopp – a bebida mais pedida nos bares do Rio. Além, é claro, de podermos conhecer mais a fundo a história da cidade e sua formação ideológica – as discussões quase sempre vão terminar numa boa mesa de bar acolhedora, seja para “afogar as mágoas”, seja para defender ferrenhamente suas próprias teses. A “segunda casa” do carioca reforça a importância que tais estabelecimentos têm para a imagem do Rio, mas, sobretudo, para o coração do morador da Cidade Maravilhosa.
colaborou Thomas Pires Ferreira
Onde encontrá-los no RJ:
BAR BRASIL
Chopp da Brahma a R$ 1,00 (garotinho) e R$ 1,50 (tulipa ou schnitt)
Dica: Patê de fígado com pão preto (R$ 6,00) ou Kassler à mineira (R$ 15,00)
Endereço: Av. Mem de Sá, 90 - Lapa (esquina c/ Rua do Lavradio)
Tel.: 2509-5943
BAR LUIZ
Chopp da Brahma a R$ 1,20
Dica: Salsichão aperitivo (R$ 6,00) ou Bife à milanesa c/ salada de batata (R$ 15,00)
Endereço: Rua da Carioca, 39 - Centro (entre o Largo da Carioca e a Praça Tiradentes)
Tel.: 2262-6900
LAMAS
Chopp da Brahma a R$ 1,30
Dica: Viradinho à paulista (R$ 10,50) ou Canja de galinha (R$ 11,00)
Endereço: Rua Marquês de Abrantes, 18 - Flamengo (próximo à Praça José de Alencar)
Tels.: 2556-0799 / 2556-0229
Fonte: Guia Rio Botequim 2000
2 comentários:
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Gostei muito do post! Parabéns!
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